DOM ALCUIN REID (* 1963): “Sensibilidade e bom senso” na abordagem da problemática litúrgica

Sensibilidade e bom senso” é o título do primeiro romance de Jane Austen, cujo enredo se desenvolve à volta de um certo conflito entre duas irmãs, Elinor mais racional e Mariane mais emotiva e passional, que é resolvido quando cada uma encontra, à sua maneira, a felicidade. Este título poderia resumir também o caminho para a solução do conflito, bem presente nos dias de hoje, entre duas correntes ao nível da prática litúrgica decorrente da reforma litúrgica conciliar iniciada em 1965. Por isso mesmo o proponho para resumir, em meu modesto entender, o pensamento de Dom Alcuin Reid, uma das figuras mais importantes, e mediáticas, do pensamento litúrgico nos nossos dias.

Dom Alcuin Reid, australiano, nascido em 1963 é um monge beneditino fundador do Mosteiro de Saint-Benoît na Diocese de Fréjus-Toulon, França. Após estudos sobre Teologia e Educação em Melbourne, Austrália, obteve o doutoramento no King’s College, Universidade de Londres, com uma Tese sobre a reforma litúrgica do século XX (2002), publicada com o título  The Organic Development of the Liturgy, prefaciada pelo Cardeal Joseph Ratzinger (Ignatius, 2005) e em versão italiana com o título Lo sviluppo organico della Liturgia, (Cantagalli, 2013). Leccionou em vários países, publicou e continua a publicar muitos artigos sobre Liturgia, incluindo “Looking Again at the Question of the Liturgy with Cardinal Ratzinger” (2003), “The Monastic Diurnal” (2004), “The Ceremonies of the Roman Rite Described” (Burns & Oates, 2009), “A Bitter Trial: Evelyn Waugh and John Carmel Cardinal Heenan on the Liturgical Changes” (Ignatius, 2011). Vários dos seus escritos foram traduzidos para italiano, francês, alemão, espanhol, português, lituano, polaco e croata.

Ocupa lugar de relevo no movimento litúrgico proposto pelo Cardeal Ratzinger (Bento XVI),  orientado no sentido de promover uma interpretação autêntica do apelo do Concílio Vaticano II à reforma litúrgica – que dá pelo nome de reforma da reforma – segundo uma hermenêutica de continuidade e avaliação crítica da implementação da reforma litúrgica depois do Concílio; o grande objectivo deste movimento é o de reencontrar o “espírito da liturgia”, preconizado pela própria Constituição “Sacrosanctum Concilium” e especialmente abordado na Exortação Apostólica “Sacramentum Caritatis”, de Bento XVI, mas efectivamente ausente da grande maioria das actuais celebrações litúrgicas.

Em entrevista, apresentada a seguir afirma: “Não sou um tradicionalista. Sou católico. Sou historiador da Liturgia. Como tal, posso dizer que há indícios de que os responsáveis pela reforma pretendiam uma ruptura, ritual e também teológica. Não queriam o que era transmitido na Tradição; não queriam desenvolver isso, queriam algo novo, algo que reflectisse o “homem moderno”, na década de 1960, e o que eles achavam que ele precisava. Esta é uma realidade histórica, não uma posição eclesio-política. Os liturgistas de ‘ambos os lados’ concordam que a reforma foi radical e uma ruptura. Como católico, considero que se trata de um problema significativo, porque não tem precedentes na história da Liturgia e não é o que o Concílio, por respeito à tradição litúrgica, pediu. Nos seus escritos, Dom Alcuin Reid apresenta uma visão bem fundamentada e particularmente equilibrada, dentro do panorama da controvérsia actual,  que se acutizou a partir da maior utilização do chamado usus antiquior [Rito Romano segundo Missal de São Pio V] na Igreja do século XXI, desde sempre defendida por Marcel Lefebvre e seus seguidores, e considerada legítima por Bento XVI, mas muito contestada pelo Papa Francisco. Foi o principal organizador de “Sacra Liturgia”, Congresso Internacional sobre o papel da formação e da celebração litúrgica na vida e missão da Igreja (Roma, Junho de 2013), de que resultou La sacra Liturgia: Fonte e culmine della vita e della missione della Chiesa, (Cantagalli, 2014). 

Pessoalmente, conheci na infância e “ajudei à Missa” em Latim (seguíamos então o Rito Bracarense), desde os oito anos (1963), continuei nos primeiros anos de Seminário Menor, ajudando à missa dos sacerdotes que não celebravam com a comunidade; rejubilei com a chegada da “Missa em Português”, que fomos assimilando à medida que iam chegando os primeiros textos com as respostas do povo, desde 1965; adoptado um pouco mais tarde o Rito Romano (1970), ainda adolescente e jovem, colaborei na divulgação dos primeiros subsídios policopiados para as celebrações litúrgicas em vernáculo, quer na liturgia em geral quer na música em particular; nos primeiros anos de sacerdócio (1980), assumi a dinâmica da Pastoral do Domingo – o Mistério da Igreja ao longo dos Domingos do Ano,  instaurado em Portugal creio que por 1979; vivi no interior de muitas das vicissitudes por que foi passando a liturgia e a música litúrgica ao longo do tempo; ainda enquanto estudante e depois disso, conheci, sofri pressões e trabalhei com muitas pessoas de ambos os lados da barricada, algumas delas que até foram mudando de posição com o tempo, e com todas elas aprendi muito; fui professor de Música na Liturgia e na Pastoral da Igreja e também de Pastoral Litúrgica, quer na formação de leigos quer na formação dos candidatos ao sacerdócio; tenho estudado, o mais que posso, a História da Liturgia e a História da Música Sacra, desde as primeiras comunidades cristãs até ao séc. XXI. Conheço relativamente bem o pensamento da Igreja acerca da liturgia e música litúrgica – Escritura, Tradição Patrística e Magistério – desde os escritos paulinos aos discursos de Leão XIV… Não li, nem penso ler Summorum Pontificum (2007) nem Traditionis custodes (2021)…

Depois de tudo isso, não sou minimamente partidário do usus antiquior, pois considero que se pode encontrar e celebrar de acordo com o verdadeiro espírito da liturgia a partir da reforma conciliar, e com o rito actual, e não creio que a renovação, o espírito ou a santidade da Liturgia dependam da utilização deste ou daquele rito – basta conhecer um pouco da História das grandes tradições litúrgicas do passado e do presente, bem como as diferentes práticas litúrgicas ao longo do tempo para perceber isso mesmo. Participei e colaborei em belas e dignas celebrações presididas quer por João Paulo II quer pelo então Card. Ratzinger, segundo o novo ordenamento litúrgico. Como me vou apercebendo de algumas posições pouco fundamentadas e até um tanto ingénuas, de um e de outro lado, é pelo sentido profundo, fundamentado e equilibrado dos escritos de Dom Alcuin Reid (entre eles li ambos os livros citados) que considerei oportuno disponibilizar aqui alguns dos seus artigos / conferências mais significativos, com tradução da minha responsabilidade. De resto, basta uma consulta na Net para saber muito mais.

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